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RETROSPECTIVA PHILIPPE GARREL > TEXTOS
 

Sobre o método
Entrevista com Philippe Garrel realizada por Philippe Azoury e Jean-Marc Lalane*

Paris, em um café não distante da igreja Saint-Sulpice, na manhã de 15 de agosto de 2011. Faltam três semanas para a apresentação em Veneza de Un été brûlant (Um verão escaldante) e Philippe Garrel nos recebe, Jean-Marc Lalane e eu, para uma entrevista a ser publicada na revista Les Inrockuptibles. A conversa durará cinco horas, durante as quais trataremos bastante de seu método de trabalho. É esta parte, quase inédita, que nós publicamos aqui. Garrel explica, como nunca o fez anteriormente, a coerência de um método empreendido durante seus anos solitários e experimentais. Ele explica como o saber adquirido durante seus “anos obscuros”, residualmente, modelou sua forma única de trabalhar hoje na indústria, com suas exigências particulares, e que talvez seja o único, a saber, a praticá-la. No centro deste método, o ator, e a maneira pela qual Garrel o solicita a se apoderar dos acontecimentos narrados no filme, que são sempre os ecos dissimulados de um certo passado íntimo. E toda essa paixão pelo presente que é preciso desencadear na filmagem se quisermos escapar da reconstituição e do naturalismo.

Fazer um filme não é escrever um livro. Quando você escreve um romance sobre personagens ou lugares que realmente existiram, são personagens verdadeiros que você coloca em cena. No cinema, esses personagens são interpretados. Essa interpretação é uma simulação. Inventa-se um campo entre o roteiro e a atuação. Quando a forma pela qual esse campo é manipulado, desagrada aos críticos, esses últimos trazem à tona o termo do naturalismo. Eles reprovam a cópia. Eles veem lá o embuste.

Godard havia resolvido esta questão. Ele encontrara a solução ao filmar no presente, criando a cena de manhã, ao chegar no set. Antes, não havia nada. A mulher dele chegava, ele se colocava atrás da câmera e fazia o plano. Estávamos no presente, no “presente real”, e essa força, esse imediatismo, anulava todo naturalismo. É o que ele conseguiu, e que ninguém conseguiu fazer igual.

Esse lugar no cinema é comparável, na pintura, com Caravaggio, com La Tour (referindo-se ao pintor Georges de La Tour), quer dizer no início da “pintura do amor”, quando as figuras santas eram interpretadas por pessoas verdadeiras, e amiúde por pessoas amadas. Pouco a pouco, abandonou-se os santos, são somente homens e mulheres, aí então se deu o advento da “pintura do amor”: ou seja, da primeira modernidade. Da mesma forma que houve um momento na pintura clássica no qual ela se liberta da Igreja, Godard levou o cinema à sua primeira modernidade.

Do naturalismo não consigo escapar completamente mesmo se luto contra, porque a partir da minha autobiografia, eu crio uma narrativa romanesca.

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* Entrevista com Philippe Garrel concedida a Philippe Azoury e Jean-Marc Lalane, publicada originalmente em Les Inrockuptibles e posteriormente no livro AZOURY, Philippe: Philippe Garrel, En Substance, Editora Capricci, Paris, 2013.
 
A publicação desta entrevista foi autorizada e gentilmente cedida pelo seu autor, o escritor Philippe Azoury.
 
Philippe Azoury é jornalista e crítico de cinema francês. Colaborador de Cahiers du cinéma desde 1998, também escreveu para Libération, Les Inrockuptibles, Vogue1 e Obsession (o suplemento cultural do New Observateur1). Autor dos livros Jean Eustache (Capricci Editions, 2017), Jim Jarmusch, Une Autre Allure (Capricci Éditions, 2017), Philippe Garrel, en substance (Capricci Éditions, 2013), A Werner Schroeter, qui n'avait pas peur de la mort (Capricci Éditions, 2010), e coautor dos livros The Velvet Underground (com Joseph Ghosn, Actes Sud Editions, 2016), Cocteau et le Cinéma: Désordres (com Jean-Marc Lalanne, Cahiers du Cinéma, 2003), entre outros.